Entre o final do século XIX e início do século XX, as populações Guarani sobreviventes deste longo histórico de escravização foram empregadas no oeste paranaense na produção de erva- mate e derrubada de madeira. Eles viviam em regime de trabalho análogo à escravidão, ou de escravidão por dívidas, em vastas áreas concedidas pelo Governo Imperial e, posteriormente, pelo Governo Republicano para companhias privadas.
Com o declínio da atividade ervateira a partir da década de 1930, teve início um novo padrão de exploração e ocupação do território. Iniciada em 1938, a chamada marcha
para o oeste causou a chegada massiva de colonos ao oeste do Paraná. As terras indígenas foram alvo dessa onda neocolonial e passaram a ser tituladas a não indígenas, por meio de iniciativas estatais dos governos federal e estadual, que partiam da premissa de existência de vazio demográfco.
Portanto, a região oeste do Paraná estaria despovoada, cabendo ao Estado ocupá-la como estratégia de desenvolvimento. Contudo, esse pressuposto ignorava a existência dos povos originários que viviam há séculos no território, possibilitando a violação de seus direitos. A invisibilização nas narrativas oficiais e no imaginário social foi acompanhada do apagamento violento de sua existência concreta.
Mesmo existindo leis, desde a Constituição de 1934, que protegiam as terras ocupadas pelos povos originários, bem como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e sua sucessora, a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligenciaram a existência dos Avá-Guarani do oeste do Paraná até os anos 1970, não demarcando suas terras. Era comum na época, nas várias esferas governamentais e na sociedade regional, a concepção de que os indígenas deveriam estar confinados em reservas.
Tanto o SPI quanto, posteriormente, a Funai pressionaram os Avá-Guarani a deixarem suas terras e a migrarem para reservas indígenas, localizadas a centenas de quilômetros de onde moravam, em muitos casos, para reservas já destinadas a outros povos indígenas. Desse modo, articulada com outras instâncias do Estado a nível nacional e regional, a ação dos órgãos indigenistas contribuiu para o desterro dos indígenas ao negar-lhes o reconhecimento pleno de seus territórios tradicionais. Isto promoveu o seu confinamento em áreas reservadas, com o propósito de disponibilizar terras à colonização, não bastando que a retirada dos indígenas de suas terras fosse proibida pelas leis da época.
Nem mesmo áreas antigas, reconhecidas pela sociedade regional e por agentes do Estado como de ocupação indígena, foram poupadas da espoliação. Casos como o da Colônia Guarani, situada em Foz do Iguaçu, e da área conhecida como Jakutinga – também chamada Ocoy, Jacutinga ou Barra do Ocoí – comprovam essa situação. Ainda que não tenham sido oficialmente demarcadas, embora existam documentos da época que demonstram a intenção do órgão indigenista em demarcá-las, essas terras mantinham condições ambientais consideradas adequadas pelos Guarani para o desenvolvimento de seu modo de vida.
Eram consideradas por eles áreas mais seguras das pressões externas, servindo de refúgio para as famílias Guarani que saíam de outras localidades, em razão das diversas formas de violência sofridas. Em 1976, o Incra, em conjunto com a Funai, destinou as terras da Colônia Guarani para o assentamento de colonos, o que
resultou na expulsão das comunidades indígenas.