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Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e da Universidade de São Paulo ( USP ) revelaram uma descoberta promissora para a agricultura: um tipo de bactéria encontrada nos solos do bioma Caatinga demonstrou capacidade de inibir a germinação da erva-de-santa-luzia ( Conyza canadensis ), uma das ervas daninhas mais resistentes a herbicidas e de difícil controle no Brasil. A pesquisa identificou moléculas naturais com efeito herbicida na bactéria, abrindo caminho para o desenvolvimento de um novo bioherbicida sustentável, adequado à realidade da produção agrícola brasileira.
O estudo publicado na Pest Management Science foi liderado pelo químico Osvaldo Ferreira , sob supervisão dos pesquisadores da USP Danilo Tosta Souza e Luiz Alberto Beraldo de Moraes , em colaboração com o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Itamar Melo .
A erva-de-santa-luzia-argentina é considerada uma das principais inimigas do agricultor. Presente em praticamente todas as regiões do Brasil, a planta já não responde a diferentes tipos de herbicidas sintéticos. Tal cenário aumenta os custos de produção, compromete a produtividade e eleva o risco de impactos ambientais decorrentes do uso intensivo de agrotóxicos.
Esse contexto tornou urgente a busca por alternativas naturais. O uso de microrganismos e das moléculas bioativas que eles produzem surge como uma estratégia inovadora para reduzir a dependência de produtos químicos sintéticos e oferecer soluções mais sustentáveis no manejo de plantas daninhas.
Diversidade microbiana como fonte de inovaçãoO ponto de partida da pesquisa foi a triagem de actinobactérias, um grupo de microrganismos conhecidos por sua capacidade de produzir compostos bioativos de interesse agrícola e farmacêutico. Diversos isolados de diferentes biomas brasileiros foram testados quanto ao potencial de inibir o crescimento de plantas daninhas.
A maior surpresa veio da Caatinga, um bioma semiárido caracterizado por temperaturas extremas e baixa disponibilidade de água. A cepa Streptomyces sp. Caat 7-52 destacou-se na triagem por apresentar compostos com forte efeito fitotóxico (nocivo às plantas).
“A Caatinga pode ser vista como um laboratório natural. Os microrganismos que vivem nesse ambiente desenvolveram estratégias de sobrevivência únicas e frequentemente produzem novas moléculas que podem ser usadas em diferentes aplicações”, explica o pesquisador Itamar Melo.
Foto: Danilo Tosta
A análise química revelou dois compostos principais produzidos pela bactéria: o ácido 3-hidroxibenzoico e a albociclina. Esta última foi descrita pela primeira vez como tendo atividade herbicida, um avanço sem precedentes no campo da bioprospecção.
Em testes, a albociclina demonstrou ser capaz de inibir a germinação da erva-de-santa-luzia em baixas concentrações (6,25 µg/mL). Essa descoberta a coloca como uma candidata promissora para o desenvolvimento de novos bioherbicidas, especialmente por ser eficaz contra uma planta que já não responde bem aos produtos disponíveis no mercado.
“Foi a primeira vez que registramos a atividade fitotóxica da albociclina, e isso amplia significativamente o horizonte de aplicações desse composto. A descoberta pode contribuir para estratégias de manejo mais sustentáveis, que ajudam a reduzir a pressão sobre o uso de herbicidas químicos”, observa Tosta.
Outro diferencial do estudo foi o uso de técnicas de otimização do meio de cultura para estimular a produção de albociclina e análogos. O ajuste permitiu uma maior diversidade química das moléculas obtidas e um rendimento mais elevado, o que é essencial para a futura escalabilidade de um bioherbicida.
Essa abordagem representa um passo estratégico: ao direcionar o metabolismo microbiano, os pesquisadores conseguem não apenas aumentar a quantidade do composto produzido, mas também gerar variantes estruturais que podem apresentar diferentes níveis de atividade biológica.
Caldo bacteriano
Além da especificação de moléculas específicas, os cientistas testaram o caldo fermentado bruto da bactéria. O resultado foi igualmente animador: ele apresentou efeito seletivo contra plantas dicotiledôneas sem a necessidade de processamento químico com solventes. Dicotiledôneas são plantas que, na germinação, apresentam duas folhas embrionárias chamadas cotilédones. Exemplos incluem plantas apresentadas como buva, caruru e picão-preto, e culturas agrícolas como feijão, amendoim e algodão.
Na prática, isso significa que o microrganismo pode ser usado de forma mais simples e com menor custo, diminuindo etapas de purificação e melhorando o desenvolvimento de um produto mais acessível ao agricultor. Ao mesmo tempo, a solução é ambientalmente mais limpa, uma vez que dispensa o uso de solventes industriais, explica Beraldo.
Os próximos passos da pesquisa envolvem a realização de testes em condições de campo, a avaliação da eficácia em diferentes culturas, o desenvolvimento de formulações comerciais e ecotoxicologia, estudos sobre os efeitos dos metabólitos em organismos vivos não alvo. O objetivo é integrar a tecnologia aos programas de Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD), que combinam diferentes práticas para manter o equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade.
"Estamos ainda em uma fase inicial, mas os resultados são muito promissores. O desafio agora é transformar esse potencial em uma solução prática para os agricultores, que possa ser usada em larga escala", afirma Melo.
Cristina Tordin (MTb 28499/SP)
Embrapa Meio Ambiente
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