Representantes do estado de Santa Catarina e senadores defenderam em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta terça-feira (26), proposta que cria mecanismos para o abatimento das dívidas dos estados, Distrito Federal (DF) e municípios com a União. O debate atendeu aos requerimentos dos senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Esperidião Amin (PP-SC) para aprofundar a análise do projeto de lei complementar (PLP) 35/2022. Segundo o texto, os entes federativos poderiam investir recursos próprios em obras e serviços nos bens da União que estejam sob titularidade do ente e abater os valores de dívidas com a União.
Para Amin, que presidiu a reunião, os estados ou municípios que desembolsam em obras federais ajudam o país como um todo. Ele citou o exemplo do estado de Santa Catarina, que gastou R$ 384 milhões em quatro rodovias federais (BR-470, BR-285, BR-280 e BR-163) para facilitar o escoamento de suas produções. Os investimentos foram frutos de acordo do estado com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em 2021.
— [Não haver compensação] é um desequilíbrio ético. Se fosse entre pessoas jurídicas, entre cidadãos, seria uma imoralidade. São obras executadas pelo governo [federal], priorizadas pelo próprio governo federal, para as quais o governo do estado acudiu com dinheiro. Vamos imaginar que essa rodovia daqui a pouco seja posta em leilão. A União vai se locupletar [enriquecer] com isso?
Para o procurador-geral de Santa Catarina, Márcio Vicari, o projeto de lei complementar impedirá um “enriquecimento sem causa” da União nesses casos. Para ele, o texto fará os ajustes jurídicos necessários para novos acordos como esse no país e protegerá a ética nessas cooperações federativas.
— Essa operação futura e eventual de alienação [venda] apenas desnuda essa transferência patrimonial. Mas o incremento patrimonial em favor da União, a quem competia fazer a obra, já aconteceu. [O projeto] parte da preocupação de evitar que haja, por parte de um ente federado, uma apropriação de valores que se justifica momentâneamente, mas que precisa ser compensada para evitar um enriquecimento sem causa. Falo de enriquecimento sem causa, e não de enriquecimento ilícito (…) E [concorre] para o princípio da eficiência, na medida em que se pode realizar a obra de maneira mais rápida, mais ágil, menos burocrática, desde que um ente tenha essa condição melhor do que o outro.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que afirmou ser favorável ao projeto, ainda apontou que o setor público possui limitações legais com relação à iniciativa privada, pois a administração pública só pode fazer o que é previsto em lei. Atualmente esse tipo de compensação da dívida não é regulamentada.
— Na [esfera] pública só pode fazer o que é permitido por legislação. Tem que modernizar para melhorar a eficiência do setor público.
Representante da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, Carlos Gadelha afirmou que o órgão se preocupa com os impactos fiscais e orçamentários da proposta. Segundo ele, cerca de R$ 20 bilhões deixariam de ser arrecadados pelo governo federal com o pagamento das dívidas de estados, DF e municípios, que seriam usados para a quitação da dívida mobiliária federal. Esse tipo de dívida se refere aos títulos públicos vendidos pelo Tesouro Nacional para financiar o governo, cujo estoque (total da dívida) atualmente é de R$ 6,1 trilhões, segundo relatório de janeiro do órgão.
— A gente estima por alto um impacto em torno de R$ 20 bilhões anuais em relação a essa proposta. Hoje os pagamentos mensais das dívidas [com a União] são da ordem de 40% do que eram em 2014. [Também] restou dúvida se haverá um decreto ou alguma outra legislação suplementar sobre como se daria essa compensação, a definição dos bens públicos considerados nesse processo — disse Gadelha sobre o projeto.
Para a senadora Tereza Cristina (PP-MS), apesar dos valores, a compensação “mais ajuda do que atrapalha” o governo federal, que poderá contar com mais esforços na manutenção de seus bens.
Já o diretor do Tesouro Estadual de Santa Catarina, Clovis Renato Squio, defendeu que os R$ 384 milhões aplicados pelo estado nas rodovias federais são parte significativa do orçamento estadual. Segundo ele, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional só concordou com a compensação de cerca de R$ 40 milhões, pagos em 2023.
— [O valor de] R$ 384 milhões é mais do que 1% da nossa receita líquida de impostos. Os R$ 465 milhões [a serem arcados por Santa Catarina, segundo o acordo] representam mais do que 1% da nossa receita da corrente líquida, que são recursos que não conseguimos usar todos para esse fim. Não foi [despesa] pequena, por parte do estado. É um valor próximo aos R$ 550 milhões que nós pagamos anualmente em precatórios [valores que a justiça condena o poder público a pagar certa dívida], todos devem lembrar que [os precatórios] são um problema para as finanças públicas.
A proposta prevê a compensação de créditos entre a União os estados, o Distrito Federal e os municípios. Segundo o relator na CAE, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), a compensação é a extinção de duas obrigações, cujos credores são ao mesmo tempo devedores um do outro, ou seja, é uma espécie de adimplemento. No caso, o ente tem a obrigação de pagar a dívida com a União. Mas, caso realize obra ou serviço em bem da União, ela terá a obrigação de abater o valor investido da dívida.
O projeto foi aprovado na CAE em maio de 2023 na forma do substitutivo apresentado pelo relator. A principal mudança é a exclusão da compensação por gastos de proveito do ente subnacional usuário do bem, e não do interesse da União. Por exemplo: não podem ser compensados gastos com segurança (como a instalação de circuitos internos de câmeras), limpeza e conservação patrimonial.
O colegiado ainda precisa aprovar o relatório de Tereza Cristina sobre emenda apresentada pelo autor, Esperidião Amin, para que o projeto seja discutido e deliberado em Plenário.
"O PLP 35/2022 objetiva impactar o Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados (PAF), que cria regras para o refinanciamento das dívidas estaduais ante a União", diz na justificação do projeto.
Previsto na Lei 9.496, de 1997, o PAF busca contornar o endividamento sem controle dos estados entre as décadas de 1970 e 1990, quando podiam emitir títulos de dívida estaduais. Em 1997, a União assumiu e refinanciou a maior parte das dívidas dos estados e municípios, que se comprometeram a pagar à União prestações em dia e cumprir uma série de metas e compromissos para organizar suas finanças. Para evitar a contratação de novas dívidas impagáveis, os entes federativos também foram proibidos de emitir qualquer tipo de título no mercado.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
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