Ela me veio, Maria, e me contou a sua história.
E como tantas outras, elas chegam num lugar que as permitem falar.
Um lugar de libertação, segurança e confiança.
Depois que tudo passa, que elas se encontram, enxergam e compreendem a sua história, elas contam o que foi, para não ser nunca mais. E para que outras também aprendam com a sua história.
E ela Maria, me disse, que por anos ela não sabia o que era ter dinheiro na carteira. Por anos ela não sabia o que era ir ao mercado. Por anos ela tremia quando queria se cuidar ou arrumar. Mesmo trabalhando tanto. Por anos o seu cartão de crédito ficava em outra carteira. Por anos as lágrimas caíram e ela não sabia onde estava o problema. "Você não confia na minha administração?" " Eu sei melhor como administrar o dinheiro da casa." "Manda ela chorar mais baixo que eu quero dormir."
E ela foi ficando sem forças. De tanto se dar. De tanto se doar. Para dar certo.
O que ela achava que era culpa sua. Mas nunca era o suficiente.
Cansada de lutar. Se resignou àquela situação. Se diminuiu. Se encaixou.
Se desacreditou. Se calou.Se anulou. Como a vida tantas outras como ela.
Ninguém soube. Ninguém quer saber da verdade. Ninguém quis ver. Afinal, quem está preparado? Ninguém quis meter a colher.Infelizmente. Até que ele veio. O medo se instaurou na casa e no coração. E ficou tudo escuro e perigoso.
Ela adoeceu.
O medo não vem de um dia para o outro.
O trauma não vem do que é simples ou tranquilo. Vem e cresce, do que persiste, agride e ofende. Vem do que já foi muito falado, contornado e explicado. E nada! Não há mudança.
O medo é sentido porque os abusos são repetidos no dia a dia. O corpo então, transforma as dores em enfermidades. O corpo te avisa que aquilo não pode continuar. Que você está fora do normal.
E você então se entrega. Se rende para alguma saída. Algum alívio.
Ela então deixou de ser. Ela então morreu para si mesma. Não sabia mais, se levantar, pensar, opinar. Ficou por meses naquela situação.
Até o dia de querer sair daquela situação.
Enxergar uma luz no final do túnel. Lá da escuridão que ela se encontrava. A luz foi chegando cada vez mais perto. Os olhos se abriram. E ela finalmente viu. Descobriu o nome de cada uma de suas dores. E soube então como administrar. E então, foram saindo uma a uma.
Ela adquiriu o entendimento para salvar os filhos e a si mesma. Se levantou do seu lugar, escolheu escrever uma nova história. Muitas vezes, só melhora, porque piora.
Cladesnei Estefânia Schneider
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