Participantes de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta segunda-feira (23), criticaram a demora na conclusão de processos judiciais, no Brasil e na Alemanha, de responsabilização pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019, e a violação de direitos humanos que se seguiu a um dos maiores desastres ambientais do país. O rompimento causou a morte de 272 pessoas e poluiu o Rio Paraopeba com rejeitos de minério. O processo também tramita na Alemanha porque a empresa alemã Tüv Süd atestou a segurança da barragem antes do rompimento.
O debate foi requerido pelo presidente do colegiado, Paulo Paim (PT-RS), e pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Segundo Paim, o caso foi o maior acidente de trabalho no país e o segundo maior desastre industrial do século. O senador cobrou uma solução para as famílias de vítimas do desastre que ainda aguardam reparação.
— Até o momento presente, nenhuma pessoa ou entidade foi responsabilizada pelos eventos. Os familiares e vítimas continuam por buscar justiça tanto aqui quanto na Alemanha (…) É nosso dever lutar para que a justiça seja feita.
A presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho (Avabrum), Andressa Rodrigues, criticou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que transferiu a ação penal da Justiça estadual para a Justiça Federal. Segundo ela, a mudança, ocorrida em dezembro de 2022, resultou na retomada de fases que já haviam sido cumpridas no processo estadual.
— O processo criminal ainda está no início, na fase de citação dos réus. Essa citação já havia sido feita na Justiça estadual, mas agora foi preciso refazê-las. A Justiça deu prazo de 100 dias para que os acusados apresentem suas defesas escritas. É dez vezes maior do que o previsto no Código de Processo Penal (…). Na Alemanha, já se passaram quatro anos da apresentação da queixa criminal formal. A Procuradoria de Munique está demorando bastante para concluir as investigações e definir se abrirá ou não uma ação penal — disse Andressa.
Em 2021 a Polícia Federal indiciou 19 pessoas ligadas à Vale e à Tüv Süd por diversos crimes ambientais e por homicídio doloso qualificado. O Senado também realizou investigação com a CPI de Brumadinho em 2019, que durou quatro meses e concluiu pelo indiciamento de 14 pessoas por homicídio, lesão corporal e crimes ambientais.
O advogado da Avabrum, Maximiliano Garcez, constatou que esse é o primeiro processo de ação coletiva civil de brasileiros no exterior. Segundo ele, a ação conta com o auxílio de sindicatos alemães na troca de informações e no pagamento de custas exigidas pela Justiça alemã, que, de acordo com ele, não está agindo com transparência. Ele acusou a Tüv Süd de fraudar o certificado de viabilidade da mina.
— Essas vítimas ainda estariam vivas se não fosse o fato de uma empresa alemã aceitar vender um certificado fraudulento de viabilidade (…). Outras empresas se recusaram a dar a certificação. Mesmo os funcionários da empresa [Tüv Süd] tendo dito à matriz alemã que não podiam dar a certificação. Está tudo documentado (…). Não temos informações do que está acontecendo, estivemos lá várias vezes (…). Considero que os executivos da Alemanha tinham plena consciência e instruíram os funcionários brasileiros a esse crime — afrimou.
Outro advogado da Avabrum, Rüdiger Helm afirmou que a Tüv Süd gasta milhões de euros para combater as reinvidicações das vítimas da tragédia. A participação de Helm contou com tradução simultânea da TV Senado. Ambos advogados também representam o Sindicato Metabase Brumadinho, que obteve decisão favorável da Justiça do Trabalho que obriga a Vale a indenizar em R$ 1 milhão por vítima aos herdeiros das pessoas representadas pelo sindicato.
O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Geraldo Emediato de Souza falou sobre a pareceria entre o MPT, a Avabrum e a Defensoria Pública da União (DPU) na reparação financeira das vítimas e dos afetados pelo rompimento. Ainda em 2019, o MPT assinou acordo com a Vale para o pagamento de R$ 400 milhões pela mineradora a título de danos morais à coletividade.
— O que fizemos, na medida das possibilidades, foi buscar a maior reparação pecuniária da história da Justiça brasileira em prol dos familiares. Isso é pouco. Não é o dinheiro que vai resgatar a vida dessas pessoas nem reparar o mal que foi feito (…). Estamos transferindo uma indenização que conquistamos no processo, de R$ 400 milhões, em prol de projetos sociais nas comunidades da Bacia do Rio Paraopeba [que foi atingido pelos rejeitos da barragem].
Damares afirmou que viu presencialmente os efeitos da destruição quando era ministra de Direitos Humanos, em 2019. Na avaliação da senadora, a DPU e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) foram fundamentais nas negociações da indenização pelas pessoas atingidas.
— A gente teve trabalho extra da DPMG e DPU de não deixar as famílias serem influenciadas em aceitarem qualquer tipo de acordo. Tinha que ter o emergencial ali, mas não podia deixar que nenhum acordo fosse assinado fechando portas para indenizações que hoje a gente pode repensar.
A senadora também apontou a fragilidade do Brasil com a falta de protocolos e bases legais para resposta imediata e efetiva a acidentes e desastres. Ela sugeriu a construção de propostas de protocolos pela comissão para aprimorar o enfrentamento pelo poder público de casos semelhantes.
Representante da Associação de Moradores do Parque do Lago, Parque da Cachoeira e Alberto Flores (Acopapa), Lidía Gonçalves de Lima apontou a dificuldade de comunidades do entorno de Brumadinho de serem reconhecidas como sujeitas ao direito de reparação.
A defensora pública da DPMG Carolina Morishita descreveu as consequências que Brumadinho e as regiões ao redor da mina sofrem até hoje.
— O que chegou naquelas comunidades não foi lama, foram rejeitos que impermeabilizam o solo. [Uma] crosta tão dura que impossibilita o uso para o cultivo (…). Aumenta o tempo de permanência da água quando tem fortes chuvas, isso tem prejudicado diversas comunidades. Em janeiro de 2022 as pessoas ficaram ilhadas por dias — disse Carolina.
O representante da IndustriALL Global Union (federação internacional de sindicatos), Kemal Özkan, afirmou que o desastre poderia ter sido previsto com semanas de antecedência com a tecnologia de monitoramento adequada. Também participou o diretor sindical Internacional da União Industrial de Mineração, Química e Energia (IGBCE), Hannes Kühn.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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