A participação do setor agropecuário será fundamental na consolidação de matrizes energéticas cada vez mais limpas e sustentáveis. Foi o que apontaram as tendências traçadas por especialistas em energia que participaram da elaboração da Rota Estratégica Nova Economia 2030, organizada pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)
A rota estratégica ou roadmapping é um processo de planejamento que facilita a identificação de novos produtos, processos e serviços necessários para enfrentar adversidades e para aproveitar novas oportunidades. Para oito dimensões temáticas (veja detalhes abaixo), especialistas traçaram ações de curto, médio e longo prazos, a fim de orientar o desenvolvimento de cada uma delas.
No tema “Energias Renováveis”, o agro terá forte participação em dezenas de ações recomendadas. Entre as de curto prazo está a consolidação da produção de biocombustíveis, área na qual o Brasil tem grande experiência com etanol e biodiesel. No documento, os técnicos recomendam a expansão da produção e do uso desses combustíveis para cumprir as metas de descarbonização.
O desenvolvimento do setor ainda deve passar pelo estímulo à implantação de biorrefinarias que geram, conjuntamente, biocombustíveis e outros bioprodutos como fertilizantes. Outra recomendação dos especialistas é o estímulo à renovação da frota por veículos híbridos ou de emissão zero.
“Achamos muitas vezes que o veículo 100% elétrico é mais sustentável; no entanto, é preciso contabilizar as emissões envolvidas na produção de suas baterias e na fonte da energia que vai abastecê-lo. Nesse ponto, o veículo híbrido, que possui motores elétrico e a combustão, é bem menos impactante. E os híbridos movidos a biocombustíveis melhores ainda”, esclarece o pesquisador da Embrapa Alexandre Alonso, que participou do grupo de especialistas em Energias Renováveis da Rota Estratégica.
Alonso, que chefia a Embrapa Agroenergia (DF), acredita que o setor agropecuário terá importância cada vez maior na transição para matrizes energéticas mais limpas. Ele explica que a pesquisa mundial se volta para o hidrogênio como combustível, com horizonte de longo prazo, uma vez que é uma fonte com zero emissão de CO2. Entre as várias rotas para a obtenção do elemento, a mais sustentável é a do hidrogênio verde, resultado de processos como a reforma do etanol, através do gás de biomassa ou pela eletrólise da água; nesse caso, com uso de energia solar ou eólica. “Mais uma vez, a agroenergia terá muito a contribuir para o balanço de carbono, uma vez que a reforma do etanol, chamada de rota verde-musgo, pode apresentar emissões neutras ou mesmo negativas, ou seja, é capaz de capturar carbono da atmosfera”, ressalta o pesquisador.
Ele avalia que o agro pode ser um dos maiores participantes do mercado de carbono, nicho que deve favorecer diversas atividades agrícolas sustentáveis, incluindo as relacionadas à energia. O próprio roadmap recomenda, para o médio prazo, o desenvolvimento de modelos de negócio para o setor energético voltados à comercialização dos créditos de carbono. “Esse mercado poderá gerar um acréscimo de renda importante ao produtor rural brasileiro e o País tem um grande potencial no processo de descarbonização da economia”, analisa Alonso.
Oportunidade importante para as usinas sucroalcooleiras é a produção de biogás e biometano. Diferentemente do gás natural, que é de origem fóssil, o biogás vem de fonte renovável e é capaz de auxiliar na geração do hidrogênio por eletrólise da água e ainda obter no processo a amônia, fonte de fertilizantes nitrogenados.
O pesquisador prevê aumento crescente de biocombustíveis como o biodiesel e o bioquerosene de aviação. A expectativa é que as refinarias do futuro usem matérias-primas renováveis, como a cana-de-açúcar, que promovem a descarbonização do planeta, chamadas de biorrefinarias, bem diferentes das atuais refinarias de petróleo que atuam com fontes não renováveis e emitem CO2 em seus processos. O uso da biomassa para obtenção de energia será cada vez mais comum e, por isso, os participantes ouvidos recomendam, no médio prazo, a criação de um banco de dados sobre a produção de biomassa com potencial energético para reaproveitamento.
“É importante saber que o conceito de energias limpas vai muito além da geração eólica, solar e congêneres. O Brasil, potência agrícola mundial, tem condições de estar entre os protagonistas dessa transição energética, além de ter capacidade para desenvolver e exportar tecnologias limpas para o mundo”, conclui o pesquisador da Embrapa.
Ações recomendadas em energias renováveis no curto prazo
Fonte: ABDI, Rota Estratégica Nova Economia 2030. Foto: Envato (instalações para a produção de biogás) |
A Embrapa no roadmapA Rota Estratégica Nova Economia 2030 engloba oito dimensões temáticas: Agro 4.0, ASG (Ambiental, Social e Governança), Bioeconomia e Biotecnologia, Cidades Inteligentes e Sustentáveis, Economia Circular, Ecossistema e Tecnologias Digitais, Energias Renováveis e Indústria 4.0. Além de Alonso, que atuou na frente Energias Renováveis, participaram outros seis especialistas da Embrapa na elaboração do documento: Bruno Pena Carvalho (Embrapa Acre), Carla Geovana Macário (Embrapa Agricultura Digital), Everton Rabelo Cordeiro e Katia Emídio da Silva (Embrapa Amazônia Ocidental), Ricardo Yassushi Inamasu (Embrapa Instrumentação) e Rita Borges Faustino (Embrapa Semiárido). |
Como desdobramento do projeto Rota Estratégica Nova Economia 2030, está sendo desenvolvido o projeto Masterplan 2030, que tem o objetivo de desenvolver e coordenar a implementação das ações estratégicas propostas no Rota Estratégica. O Masterplan é gerido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e com o Observatório da Indústria do Sistema da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).
O Masterplan deverá definir uma agenda prioritária de ações estratégicas no contexto da nova economia (economia digital e economia verde). Para esse trabalho, foram convocados especialistas da academia, da iniciativa privada, do poder público e do terceiro setor, com o propósito de debater, em quatro painéis, as 64 ações prioritárias apontadas a partir do Rota Estratégica.
Dois pesquisadores da Embrapa Agroenergia, Manoel Teixeira Souza Júnior e Eduardo Fernandes Formighieri, foram convidados para compor o painel 3, “Biotecnologia e Bioeconomia”, no qual foram discutidas as ações estratégicas nas duas áreas. Segundo Souza Júnior, o principal aspecto do debate foi o aproveitamento de resíduos.
“Discutimos bastante a questão do aproveitamento de resíduos. Em qualquer sistema de produção agrícola há resíduos em maior ou menor grau. Muitos são jogados de volta à natureza de uma forma não muito sustentável. Por isso, é importante investir no desenvolvimento científico-tecnológico, para viabilizar o aproveitamento e reduzir a quantidade que vai acabar sendo jogada na natureza, ao mesmo tempo em que são gerados diversos produtos de alto valor agregado”, defende.
A partir dos painéis com os especialistas, a ABDI passa a trabalhar em uma nova etapa do projeto Masterplan 2030.
“A ABDI angariou opiniões, visões e sugestões de especialistas e essas informações foram discutidas para refinar, melhorar e otimizar o trabalho da Rota Estratégica. Agora, a partir dos painéis, a ABDI está trabalhando no processo de sistematização e convergência das análises de todos os participantes, no intuito de construir um documento que apresenta as questões relevantes acerca da Nova Economia”, concluiu Souza.
Márcia Cristina de Faria (MTb 24.056/SP)
Embrapa Agroenergia
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