O ano era de 1957. Dia de Natal. Juscelino Kubitschek de Oliveira era o presidente da República.
Com seu amigo e companheiro de todas as horas, Coronel Affonso Heliodoro, o presidente JK deixou o Palácio do Catete e tomou o rumo de Jacarepaguá. A pequena comitiva se dirigiu a uma Casa fundada em 19 de agosto de 1918, que era fruto do sonho e persistência de um dos maiores e mais bem sucedidos artistas brasileiros: Leopoldo Fróes.
Nascido em Niterói (30 de setembro de 1882 – Davos, 1 de março de 1932) Leopoldo Fróes sempre quis ser artista. Mas a família o obrigou a fazer curso de Direito. Formado, foi conseguido para ele um cargo diplomático. Como diplomata, em Paris, o que menos fez foi frequentar a Embaixada. Fez, sim, um curso de ator. Estudou, formou-se e estreou em Portugal com a peça “O Rei Maldito”. Voltou para o Brasil, onde montou uma empresa com a atriz Lucília Peres. Fez sucesso no teatro, no cinema e como cantor no Rio e São Paulo, entre 1917 e 1927.
E, naquele Dia de Natal de 1957, o presidente JK foi visitar um sucesso de Leopoldo Fróes que dura até hoje: o Sindicato da Casa dos Artistas, mais conhecido como Retiro dos Artistas. Sim, Leopoldo Fróes tinha essa preocupação social com os artistas em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, não é apenas por falta de dinheiro, mas são questões familiares, problemas de saúde e outras dificuldades no ocaso da vida.
JK chegou à tardinha naquele espaço encantado de 15 mil metros quadrados com refeitório, teatro, cinema, biblioteca e umas 50 casas.
Affonso Heliodoro preparou o ambiente, reuniu todos os artistas presentes e Juscelino fez a seguinte mensagem, que foi lida mais tarde na Voz do Brasil.
Como o próprio JK disse “Da Casa dos Expostos, lar dos que nasceram sem lar, enviei a minha mensagem fraterna, os meus votos de paz e de bem-estar, para todos os que vivem nesta grande Pátria”.
Vale a pena conhecê-la.
MENSAGEM DE NATAL DO PRESIDENTE JK
“Este voto de Paz é um voto de todos os dias, é um anelo de todos os instantes, nasce, como a mais veemente súplica, no coração do homem, desde que o entendimento do mundo lhe alumia a consciência.
Mas a comunhão de Cristandade, no Natal, a união dos espíritos, neste dia extraordinário, renova, cada ano, o milagre do advento do Redentor e comunica a este apelo a força, o ardor, que o brado solitário das criaturas não pode alcançar.
Vim a esta casa de Paz, a este tranquilo retiro, suplicar convosco, e com todo o Brasil, que a Paz, pedida com o pão de cada dia, seja dada a todos os povos, seja dada a todos os brasileiros.
Sabeis que a Paz não se entende meramente como ausência de guerra ou de efusão de sangue.
Sabeis que a Paz envolve também isso, mas, acima disso, é uma atitude do espírito, um harmonioso equilíbrio, dentro de nós; fora de nós, é compreensão, é fraternidade é serenidade.
Se pedimos Paz, força é diligenciarmos por merecê-la, força é não esquecermos o que nos cumpre fazer de nossa parte, para que sejamos ajudados pelo Redentor do Mundo.
O homem é um colaborador de Deus, um agente da Criação. Que cada um de nós, no Brasil, em cada momento de sua vida, faça pela Paz algo que prepare a Paz.
O homem político, esforçando-se para que as divergências e controvérsias, que são da essência mesma da democracia, não resvalem do plano democrático, não criem antagonismos que desintegrem as instituições, não separem, pelo ódio, a nação em dois campos.
O chefe de empresa, ao satisfazer aos legítimos impulsos que levam o homem a criar, a agir, a afirmar-se, que não se esqueça dos direitos e das necessidades daqueles que lhe dão o seu esforço anônimo.
O trabalhador, ao defender as suas prerrogativas, as suas justas aspirações, que não olvide que o caminho da luta de classes só pode levar à ruína comum de todos e, sobretudo, à ruína deste bem sem preço que é à liberdade.
O funcionário, o intelectual, o artista, o homem de campo, todos quantos, enfim, compõem as forças da inteligência e do trabalho, da cultura e da produção, cada qual se esmere em cumprir a sua tarefa com fervor, para que esta nação, que tanto espera do nosso amor e do nosso esforço, possa vencer galhardamente as dificuldades que estorvam a sua marcha para um grande e nobre destino.
Do que pela minha parte tenho feito, com diuturno zelo, pela Paz e pela prosperidade do nosso povo, em breve darei minuciosa conta, ao completar dois anos de governo. Apenas vos direi, por agora, que alavancas mestras foram movidas, providências básicas foram tomadas para que o Brasil se desvencilhe, em definitivo, de tudo quanto ainda lhe entrava a plena expansão.
Este não é um dia de prestação de contas. É um dia de família, um dia de transbordamento afetivo, um dia de universal congraçamento da Cristandade. E, neste ameno retiro, quero participar convosco, quero compartilhar, com todos os lares do Brasil, da transbordante alegria natalina, do inefável sentimento que inunda todas as almas. Que Deus vos dê um Feliz Natal!”
JK, além de médico, político e construtor de sonhos, era também um verdadeiro artista.
Faz muita falta.
Silvestre Gorgulho
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