As mudanças climáticas são desafios globais enfrentados pela humanidade, com consequências cada vez mais preocupantes em todo o mundo. No Brasil, um país rico em biodiversidade e recursos naturais, os efeitos dessas alterações do clima têm impactos significativos na sociedade, na economia e no meio ambiente.
Essas mudanças têm contribuído para o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e tempestades, afetando diretamente milhões de brasileiros e causando danos devastadores. A catástrofe no Rio Grande do Sul é um dos exemplos mais recentes dessa tragédia anunciada há décadas por ambientalistas e especialistas no tema.
Atualmente tramitam no Congresso Nacional 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs) que tratam de licenciamento ambiental, grilagem de terras, direitos indígenas, financiamento da política ambiental, flexibilização do Código Florestal, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceanos e zonas costeiras, entre outros. “Os problemas climáticos são resultantes da intervenção do ser humano na natureza e aprovar esses projetos é complicar ainda mais a nossa situação climática no Brasil”, alertou o deputado Airton Faleiro (PT-PA).
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), afirmou que é preciso lutar contra os projetos de desmonte do sistema ambiental brasileiro, em pauta no Congresso. Caso estas propostas, patrocinadas, sobretudo pela bancada ruralista, sejam aprovadas, “vamos derramar cada vez mais lágrimas”, advertiu.
O desmatamento na Amazônia, muitas vezes impulsionado pela exploração ilegal de madeira, expansão desordenada da fronteira agrícola e da mineração, é uma das principais fontes de emissão de gazes do efeito estufa e das mudanças climáticas no Brasil. Além de contribuir para a liberação de grandes quantidades de carbono na atmosfera, o desmatamento compromete a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos vitais para o equilíbrio climático regional e global.
Os demais biomas também sofrem com desmatamento e queimadas, mesmo com a retomada das políticas e ações de prevenção e controle a partir da eleição do presidente Lula. Se, por um lado, em 2023 na Amazônia houve queda de aproximadamente 50% do desmatamento, assim como na Mata Atlântica a redução foi 27%, por outro, no Cerrado houve crescimento do desmatamento na ordem de 44% e na Caatinga os focos de queimadas cresceram 39% em relação ao ano anterior, agravando o processo de perda de cobertura vegetal e de desertificação.
A perda de cobertura natural dos biomas associada às formas de uso e ocupação do solo sem o devido ordenamento e gestão territorial, que inclui o zoneamento ecológico-econômico e outros instrumentos de planejamento, reduz a resiliência das cidades e das áreas rurais, amplia e potencializa os riscos de desastres como esses que assolam o Rio Grande do Sul e demais estados do País.
Embora a causa mais remota desse processo de destruição ambiental seja o modelo de desenvolvimento hegemônico, dependente da exploração da natureza para produzir e exportar commodities, sobretudo agrícolas e minerais, a intensidade e gravidade dos chamados “desastres naturais” resultam, em boa medida, do afrouxamento da legislação ambiental que durante muito tempo foi considerada uma das mais avançados do mundo.
O ataque ao marco legal de proteção do meio ambiente foi muito forte durante o governo Bolsonaro, orquestrado pelo seu ministro tocador de “boiada”, Ricardo Salles. Mas as alterações mais amplas e nefastas são de responsabilidade do próprio Congresso Nacional, como abaixo veremos. Deter esse movimento de “cupinização” da legislação ambiental, metáfora utilizada pela ministra Cármen Lúcia durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de ações contra os retrocessos ambientais do governo anterior, é a condição sem a qual o País não poderá cumprir seu papel no enfrentamento da crise climática-ambiental.
De acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, em 2022, o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa. As mudanças de uso da terra, que incluem o desmatamento e a devastação de todos os biomas brasileiros, responderam por 1,12 bilhão de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), ou 48% do total nacional.
O setor de agropecuária vem em seguida, com 617 milhões de toneladas de CO2 e (MtCO2e), um aumento de 3% em relação a 2021. O setor responde por 27% das emissões brutas do País.
Os dados indicam que a centralidade da política climática do Brasil deve estar no combate do desmatamento, na recuperação e restauração de amplas áreas antropizadas e na mudança do modelo da agricultura dominante. Uma estratégia com esse foco tem o potencial de dinamizar a economia em todos os biomas, gerando milhões de empregos verdes e renda para a população, notadamente para os segmentos mais pobres.
A transição energética é outra frente do mesmo processo de transformações necessárias. E nesse setor o Brasil já avançou muito e segue ampliando a participação de fontes renováveis em sua matriz. Enquanto em nível mundial apenas 14,7% da energia consumida provem de fontes renováveis, no Brasil esse percentual é da ordem dos 44,8%. E nossa matriz elétrica é ainda mais sustentável: 84,8% vem de fontes renováveis, bem acima dos 28,1% alcançados no plano mundial.
O SEEG mediu o legado climático dos quatro anos de governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro: o descontrole deliberado da devastação dos biomas e a extinção da governança climática federal na gestão passada cobraram uma conta elevada do País. Entre 2019 e 2022, o Brasil emitiu 9,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, retornando ao patamar de emissões dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso 2 (9,8 bilhões) e de Collor/Itamar (9,1 bilhões) e anulando as conquistas dos governos Lula 2 e Dilma 1, quando as emissões em quatro anos foram de 7,6 bilhões e 7,7 bilhões de toneladas de CO2e, respectivamente.
O aumento das emissões ao longo do período Bolsonaro implica em esforço ampliado para o Brasil cumprir sua meta de redução de gases de efeito estufa no Acordo de Paris em 2025 (NDC): será preciso reduzir o desmatamento em 49% na Amazônia entre 2022 e 2025, o equivalente à média dos anos de devastação mais baixa do País (2009 a 2012).
Para o deputado Nilto Tatto, se o meio ambiente e a vida tivessem sido colocados em primeiro lugar pelos governos anteriores, eventos climáticos extremos – como enchentes, secas e tempestades – teriam sido bem menores.
“Se nos últimos anos tivessem investido em prevenção e fiscalização; se não tivessem desmontado as políticas ambientais nos níveis estadual e federal; se tivessem investido os recursos para prevenção de enchentes e desastres naturais; se tivessem maior controle sobre as barragens e contido o ímpeto do agronegócio, com certeza muitas vidas teriam sido salvas”, afirmou.
Após quatros anos de negacionismo climático e retrocessos ambientais, a eleição do presidente Lula resgatou e recolocou o Brasil no centro do debate global sobre o enfrentamento dos problemas do aquecimento do planeta, da devastação ambiental, da pobreza e das desigualdades sociais.
O governo aposta na transição ecológica, uma estratégia de desenvolvimento para descarbonizar a economia, reduzir as emissões e superar nossas mazelas históricas, entre elas a pobreza, o uso predatório das riquezas naturais, a favelização das cidades, os crimes ambientais e a privatização dos bens públicos e dos bens difusos (florestas, água, recurso pesqueiros, entre outros).
Em 2022, em discurso durante a COP27, no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh, o presidente Lula prometeu que “não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030”.
As consequências da mudança do clima, da poluição e da destruição dos ecossistemas naturais afetam mais as populações pobres, periféricas e desprovidas ou mal assistidas com serviços públicos essenciais. Segundo um levantamento do CDP (Carbon Disclosure Project), 19% da população que sofrerá os efeitos das mudanças climáticas são famílias de baixa renda.
O estudo ainda aponta que 12 estados brasileiros não possuem plano ou estratégia de ação climática e somente 58% dos estados contam com pelo menos uma meta de redução de suas emissões de gases de efeito estufa. Os dados são de 2022.
Os congressistas têm desempenhado um papel crucial na elaboração de projetos que impactam diretamente o meio ambiente no Brasil. A bancada gaúcha de direita, por exemplo, desempenha ativismo forte na defesa de muitos desses projetos, sendo que alguns deles foram diretamente por ela propostos ou relatados. O projeto de lei (PL 364/2019) flexibiliza a proteção a áreas de vegetação não florestal. Apresentado pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS) e relatado pelo deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), o projeto foi aprovado na Câmara.
O PL 364 retirou a proteção adicional a toda a Mata Atlântica e a proteção de cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o País. Se virar lei, o projeto pode facilitar a destruição de 32% dos Pampas, bioma que se estende por 69% do território do Rio Grande do Sul. A lei tem ainda o potencial de afetar metade do Pantanal, 7% do Cerrado e quase 15 milhões de hectares na Amazônia, sujeitando-os a uma conversão agrícola descontrolada e ilimitada.
O PL 1282/2019, de autoria do senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), e o PL 399/2022, apresentado pelo ex-deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), autorizam o desmatamento nas margens dos rios e o barramento dessas águas para fins de irrigação. Como a finalidade das APPs (Área de Preservação Permanente) é preservar os recursos naturais para a oferta de água e para a produção agrícola, se aprovadas, as propostas aumentam a crise hídrica, provocam assoreamento dos leitos e favorecem alagamentos e inundações.
O licenciamento ambiental é a principal ferramenta de prevenção de danos ambientais que o Brasil tem. Entretanto, o projeto de lei (PL 2.159/2021) – Lei Geral do Licenciamento Ambiental – dispensa de licenciamento ambiental atividades agropecuárias, entre outras, aumentando os riscos de impactos ambientais do setor.
Em 13 de maio de 2021 o texto-base do projeto foi aprovado no plenário da Câmara por 300 votos a 122 (à época, era numerado como PL 3.179/2004). Da bancada de 31 deputados eleitos pelo Rio Grande do Sul, 29 se posicionaram. Destes, 22 – três a cada quatro do total – votaram a favor da matéria. Os deputados de esquerda do RS votaram contra a matéria.
Alguns PLs presentes na relação elaborada pela Frente Parlamentar Ambientalista e pelo Observatório do Clima
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Para Nilto Tatto, um dos grandes protagonistas dos eventos climáticos extremos no Brasil tem sido o Congresso Nacional. “A Câmara e o Senado têm pautado e aprovado sistematicamente projetos antiambientais que têm consequências inequívocas para a vida no planeta. Estamos falando de projetos que ameaçam a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa, as unidades de conservação, as terras indígenas, os territórios quilombolas e das populações tradicionais, os biomas marinhos a restinga e os mangues”, denunciou.
Ele citou que recentemente foi aprovado um projeto de um deputado gaúcho que acaba com a proteção de áreas não florestais, como os pampas, por exemplo. “É claro que isso agravará os impactos de eventos extremos no estado”, afirmou Nilto Tatto.
Por outro lado, está em tramitação um projeto de emenda à Constituição (PEC 37/2021) mais conhecida como PEC do Clima, que especialistas e setores da sociedade civil classificam como a “Lei mais urgente do mundo”, devido à gravidade da crise climática e seu potencial catastrófico de atingir milhões de pessoas. O abrigo constitucional direto das questões relacionadas às mudanças do clima irá contribuir para que governos e empresas atuem de forma responsável para evitar e mitigar novas catástrofes.
O texto traz três alterações na Constituição Federal: inclui no artigo 5º o direito à “segurança climática”, no artigo 170 a “manutenção da segurança climática, com garantia de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. ” E no artigo 225 sobre o Meio Ambiente, sobre a efetividade do direito, incube o Poder Público ela adoção de “ações de mitigação às mudanças climáticas, e adaptação aos seus efeitos adversos”.
O deputado Airton Faleiro destacou que têm bons projetos tramitando na Casa que precisam ser aprovados e citou como exemplo o PL 41/2021, que trata de planos de adaptação das mudanças climáticas, além da PEC do Clima. “Será que a gente não aprendeu com o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, com a seca da Amazônia?”, indagou. Para Faleiro, é preciso que o Congresso mude esse modo de pensar que o “ser humano pode fazer tudo sem ter reação da natureza”.
Além dos PLs citados, a Bancada do PT apresentou várias proposições convergentes com o Plano de Transformação Ecológica do Governo Lula, elaboradas a partir do diálogo com organizações ambientalistas e com setores da sociedade de todo o Brasil. São propostas que reconhecem e promovem direitos socioambientais no campo e na cidade, ativam em bases ecológicas o potencial produtivo dos ecossistemas, promovem a causa animal, fortalecem o planejamento e a gestão ambiental urbana e abrem caminho para o protagonismo e inclusão de milhões de brasileiros no enfrentamento da crise climática-ambiental.
No conjunto, as proposições fazem parte da agenda socioambiental do PT e das demais forças progressistas da sociedade brasileira comprometidas com a democracia, com os direitos humanos e com a utopia de um país justo e solidário com o seu povo e com a natureza que, apesar de tudo, resistem e lutam.
Lorena Vale, com assessoria técnica da Liderança da Bancada do PT na Câmara dos Deputados
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