Uma servidora pública denuncia que foi vítima de um estelionato amoroso no Distrito Federal durante os últimos cinco anos. A mulher de 38 anos, que pede para não ser identificada, diz que emprestou R$ 373 mil a um homem com quem namorou à distância entre 2019 e 2023. Em alguns dos contatos telefônicos que ela fez com o ex-namorado para tentar ter o dinheiro de volta, o homem a xingou de “vagabunda”, “puta” e “vadia” e chegou a dizer que não quitaria a dívida.
O caso é investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) como injúria, extorsão, estelionato e Lei Maria da Penha. Ao Metrópoles, a mulher explicou todo o ocorrido.
Em outubro de 2019, a vítima conheceu o suspeito em um aplicativo de relacionamentos. Segundo ela, o homem dizia que era empresário do ramo de bebidas em São Paulo (SP) e que intercalava temporadas entre o DF e a capital paulista. Pouco tempo depois, as mentiras teriam tido início.
“No nosso segundo encontro, ele falou que estava apaixonado, me pediu em namoro e disse que tinha interesse de se mudar para Brasília”, relembra. “Ele voltou para São Paulo e, em abril de 2020, no início da pandemia de Covid-19, retornou ao DF dizendo que a mãe estava com um problema de saúde, que estava com problemas financeiros e me pediu R$ 20 mil, prometendo pagar dentro de 30 dias”, lembra.
“Um mês depois, ele me chamou para uma chácara da família dele em Jales, no interior de São Paulo, onde eu conheci um homem que seria sócio dele. Ele me pediu R$ 45 mil para emprestar a esse amigo, prometendo devolver em 15 dias. Daí, eu transferi, mesmo sem ter recebido o valor anterior”, declara a vítima.
Já em janeiro de 2021, a mulher voltou a emprestar dinheiro ao “webnamorado”. Ela afirma que, desta vez, precisou fazer empréstimo bancário para angariar a quantia de R$ 98 mil reais. Enquanto isso, o autor seguia no bate e volta entre Brasília e São Paulo, cheio de promessas de pagamento que não se concretizavam.
“Ele se afastava e voltava, sempre repetindo essa versão de que estava passando por problemas financeiros, mas que estava correndo atrás do dinheiro. Quando eu cobrava, ele ficava nervoso e dizia que iria pagar, mas nunca pagou”, fala a servidora.
A mulher, então, começou a procurar por amigos, sócios e familiares do companheiro, ainda “cega pelo amor que sentia”, como ela mesmo descreve, sem imaginar que estava sendo enganada. “Eu conversei com a esposa do sócio dele, para quem eu transferi R$ 45 mil. Ela me falou: ‘Esse dinheiro apenas passou pela conta do meu marido, a gente não usou nada, os valores foram repassados para o [nome do investigado]’. Daí eu falei: ‘Ué, mas como foi [repassado] para ele, se ele me disse que o dinheiro era para o sócio?’”, teria questionado a vítima.
E assim, entre mensagens de afeto, promessas vazias e mais pedidos de empréstimos, o romance seguiu até 2022. A servidora confessa que, nesse período, não foi capaz de desconfiar de nada. “Estou até fazendo exames para descobrir se tenho alguma condição. Minha psiquiatra me disse que uma das características de alguns pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), por exemplo, é ter uma intensa empatia, o que me impediria de identificar riscos. Na minha cabeça, eu estava ajudando o meu namorado que estava passando por dificuldades financeiras, eu não acreditava que ele estava mentindo”, relata.
Até que, em novembro do ano passado, a ficha caiu. A mulher descobriu que o então namorado, na verdade, era casado com uma enfermeira e tem uma filha que, hoje, tem 2 anos e 11 meses. “Quando eu conversei com a esposa dele, o pai dele soube e foi ‘correndo’ me bloquear. Mandei mensagem para a tia dele, contando todo o ocorrido, e ela falou que não era problema dela. Me trataram super mal.”
A servidora alega que os familiares do ex sabiam do caso e dos empréstimos feitos. Ela acusa os parentes de debochar da situação. “Em todos esses anos, ele estava morando com a esposa, fazia festinhas para a filha, estava dando uma boa vida para mulher e para a filha. Então, a família dele meio que ficou calada, porque sabia que ele estava usufruindo do dinheiro que era meu”, acredita.
“Fui atrás da mulher dele, ela mandou eu me virar, disse que eu dei o dinheiro porque eu quis, que aquilo foi bem feito. Ela não estava nem aí.”
“Tentei acordo com o advogado dele, e o advogado falou: ‘Ele não quer te devolver porque você foi falar com a mulher dele. Ele não queria que você falasse com ela. Ela descobriu, brigou com ele e ele quer te punir por causa disso'”, relata a mulher. “Eu estou sendo vítima de uma covardia muito grande envolvendo não só o cara, como também a família”, acusa.
Assim que a vítima descobriu que o namorado tinha uma esposa e uma filha, o suspeito começou a insultar a ex em ligações, no fim do ano passado. O indivíduo teria ficado irritado com o fato de a servidora brasiliense ter descoberto a família que ele tinha em São Paulo. Nos diálogos, aos quais o Metrópoles teve acesso, ele pergunta insistentemente por que a mulher procurou a família dele e a ofende, xingando de “vagabunda”, “puta” e “vadia”.
“Toda vagabunda é mentirosa, mesmo, né?! Vagabunda, você é vagabunda”, disse o homem, em trecho de uma das ligações. “Deixa eu te avisar: se eu tomar birra dessa dívida, você pode ir na delegacia, no fórum, na puta que o pariu. Se eu tomar birra, não tem o capeta que faça eu pagar essa dívida. Eu juro pela minha mãe que eu não te pago se eu tomar birra”, prosseguiu. “Sabe quando eu vou te pagar? Nunca. Intima todo mundo que te deve. Você pode ir na delegacia agora registrar boletim de ocorrência”.
Em outro momento, o homem confessa que compartilhou fotos íntimas da servidora com a mãe dela. “Eu mandei um vídeo seu para a sua mãe, sua mãe te contou? Eu estou pensando em mandar para a [nome de uma amiga da vítima]. Eu vou te pagar, mas eu vou te foder. Vou te pagar centavo por centavo, mas eu vou te foder.”
“Você é uma vadia. Você é prostituta?! Fala a verdade, você é garota de programa?”
Em outra ocasião, já no fim da ligação, a vítima pede, em prantos, que o homem quite a dívida que tem com ela. “Por favor, me devolve meu dinheiro, só peço isso. Não me pune por isso [ter ligado para a esposa dele]. Eu estou passando dificuldade”. Enquanto isso, o investigado diz que não vai pagar e pede para a ex-namorada parar de “fingir que está chorando”.
Somadas, as transferências feitas pela vítima ao investigado ultrapassam os R$ 370 mil. Ela alega, no entanto, que o prejuízo já ultrapassa os R$ 500 mil por conta dos juros gerados pelos empréstimos que não conseguiu pagar. “Fiz um Pix parcelado de R$ 6 mil e, como não consegui pagar, perdi meu cartão de crédito. Hoje, a dívida está quase em R$ 50 mil”, exemplifica.
A mulher afirma que recebe em torno de R$ 8,5 mil de salário. O dinheiro que emprestou ao hoje ex-namorado era proveniente de um imóvel vendido antes do namoro. “Além disso, eu tinha aplicações em corretoras de valores e resgatei tudo para emprestar a ele.”
No dia 7 de dezembro do ano passado, o 3º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Brasília concedeu medida protetiva à vítima contra o autor. Desde então, ele deve manter ao menos 300 metros de distância dela e não pode fazer qualquer contato virtual. A mulher havia solicitado restituição de bens, o que foi indeferido.
A reportagem apurou que o homem investigado foi preso em 15 de abril deste ano, em São Paulo (SP), pelo crime de receptação. A Polícia Civil de SP (PCSP) descobriu que um carro, um Volksvagen T-Cross branco, havia sido roubado em janeiro de 2023 e estava sendo usado para o cometimento de crimes nas ruas paulistanas. O veículo foi avistado pelos policiais em frente a uma escola, até que o indivíduo apareceu e se apresentou como dono do automóvel.
Aos policiais, o homem disse que recebeu o carro de uma pessoa que tinha um débito de R$ 150 mil com ele e não soube dar mais detalhes nem da compra do veículo, tampouco da suposta dívida. Ele foi preso, pagou fiança de R$ 1,5 mil e foi colocado em liberdade no mesmo dia.
O Metrópoles procurou pelo homem. O investigado não havia retornado as ligações e nem respondido as mensagens até a última edição desta reportagem. O espaço está aberto para possíveis manifestações.
Mín. 22° Máx. 30°